Wabi-sabi é um conceito japonês que defende a beleza de tudo que não é perfeito. Isso vale tanto para um xícara de chá com rachaduras quanto para um skate Dogtown com um buraco no shape cometido por algum garoto desajeitado
Imagem: Jamie Brisick
O Dogtown de Jamie Brisick com as marcas do tempo: Quando um garoto arranca um naco do seu shape, isso é uma preparação para você cair na real
Eu ouvi a palavra “wabi-sabi” pela primeira vez quando tinha 13 anos. Era o fim dos anos 70, e eu havia acabado de ganhar um skate Dogtown novinho em folha. Ele tinha aquela cruz sinistra da marca na parte de baixo, cavidades para as rodas entalhadas à mão e um tail lustroso de compensado duplo. Eu estava em êxtase. Cobri o shape com verniz para não desbotar, colei cuidadosamente a lixa e o levei para treinar na rampa do quintal de um amigo. O skate parecia mágico sob meus pés. Quando dei uma virada no topo do quarter-pipe, eu soube imediatamente que aquele era o melhor skate que já tive. Naquela noite, eu o limpei com uma velha camiseta e dormi com ele ao lado da minha cama.
E, no dia seguinte, enquanto andava com skatistas da vizinhança na mesma rampa, um garoto cabeludo, chapado, perdeu o equilíbrio e bateu em mim, arrancando um naco de três polegadas do meu skate. Eu fiquei arrasado. Inevitavelmente, os skates terminam lascados, mas eu sentia que aquele pedaço de madeira no chão poderia muito bem ser meu dedo mutilado. Eu voltei para casa desnorteado, minha mãe e meu pai me consolaram, e meu irmão mais velho me ajudou a colar o pedaço quebrado no lugar.
“Wabi-sabi”, disse K.D., nosso amigo eternamente descalço, praticante de ioga, quando lhe mostrei o shape danificado no dia seguinte.
“O quê?”
“Wabi-sabi, cara. É algo como: dê boas-vindas à imperfeição. A vida é passageira, transitória, como seu skate.”
Devo dizer que K.D. usava mantos como Jesus, mijava ao ar livre porque “toda vez que damos a descarga nós desperdiçamos um galão de água” e estava sempre disposto a novas viagens de LSD de três dias. Balancei minha cabeça e saí andando de skate, confuso, me perguntando que língua ele estava falando.
Não ouvi a palavra wabi-sabi novamente até 20 anos mais tarde. Foi bem na época em que o designer David Carson fez o projeto gráfico da Trip. Meu amigo Vavá Ribeiro, fotógrafo da revista, e eu estávamos tentando descrever a estética aleatória, acidental de Carson. “É como se ele colocasse uma xícara de café em cima da foto, e essa xícara deixasse uma mancha que seria incorporada ao resultado”, tentei explicar.
“Wabi-sabi”, sentenciou Vavá. E alguns dias depois ele me presenteou com um livro chamado Wabi-sabi: a arte japonesa da impermanência.
OTIMISTA E MALEÁVEL
As palavras wabi e sabi não são de fácil tradução. Wabi pode significar simplicidade rústica, frescor e quietude ou elegância discreta. Pode também se referir a acidentes e anomalias ocorridos no processo de construção que conferem singularidade ao objeto. Sabi é a beleza ou serenidade que vem com o tempo, quando a vida do objeto e sua impermanência são evidenciados pelo desgaste ou por qualquer conserto visível.
"Wabi-sabi é otimista. É ver beleza onde pessoas menos criativas enxergam defeitos"
Wabi-sabi é igualmente difícil de definir em palavras. O termo se refere a uma abrangente estética japonesa baseada na aceitação da transitoriedade. “Wabi-sabi cultiva tudo que é autêntico ao reconhecer três realidades simples: nada dura, nada é completo: nada é perfeito”, diz uma de suas definições.
Em termos mais coloquiais, wabi-sabi é o pacote completo; admite o defeito; revela a história, o desgaste e o sofrimento. Quando você pendura uma foto no seu banheiro e o vapor faz suas pontas curvarem, isso é wabi-sabi. Quando a pintura da porta descasca ou uma aranha faz uma teia no canto da sua garagem ou a xícara de chá de sua vó ganha rachaduras que parecem fios de cabelo depois de três gerações de uso, isso é wabi-sabi.
Wabi-sabi é otimista. É ver beleza onde pessoas menos criativas enxergam defeitos. É também maleável. Quando algumas gotas de azeite mancham seu vestido limpinho no almoço, não se trata de um descuido, mas de uma magnífica imperfeição. Quando um colega de classe pisa sem querer no seu tênis branco reluzente, deixando uma mancha cinzenta, isso é o tempo que se acelera. E quando um garoto desajeitado arranca um naco de seu novo e adorado skate, e você tem 13 anos e ainda é inocente, isso é uma preparação para você cair no mundo real, em que as coisas inevitavelmente se desintegram.
Leonard Cohen resume bem a ideia: “Existe uma rachadura, uma rachadura em tudo. E é assim que a luz consegue entrar”.
*Jamie Brisick é ex-surfista profissional, escritor e colaborador do The New York Times, The Guardian e Details. Mora em Nova York.
Matéria Revista TRIP março/2010
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