Neto de húngaros que emigraram para a Romênia, Dan (assim o chamo) se recordava das dificuldades dos tempos da ditadura de Nicolau Ceausescu e me contou como era dificil ver sua mãe acordar de madrugada para ir para a fila do leite que iria alimentar ela e ao seu filho pequeno (ele no caso), Dan não teve pai, seu pai havia desaparecido no mundo quando os problemas surgiram; me contou como a leitura e as artes eram um refúgio gracioso nos tempos da ditadura e censura, a falta de informação os fez procurar os livros e muitas vezes por estarem em outros idiomas os forçou a aprender outras línguas também, além do fato de nessas ditaduras a educação escolar ser algo pontual, todos igualmente tinham acesso ao estudo.
Me lembro de como era delicioso trocar mensagens com ele pois tamanha era a poesia em suas palavras e na forma de ver a vida, lembro da felicidade ao descobrir que ambos gostávamos de Jane Austen, não hesitou em me enviar seus liros da autora, apesar de ser um homem adulto ele tinha olhos de criança para o mundo que se mostrou por trás da cortina de ferro, as coisas começavam a acontecer muito rápido em seu país desde a libertação, ele estava ansioso por mudanças, porém sua vida estava em xeque, havia traído sua esposa e ela o estava punindo (com razão talvez) pediu a separação, havia dias que enquanto conversávamos ele relatava os ataques histéricos que ela estava dando dentro de casa, eu ficava me perguntando onde estaria a esperança para aquela vida.
Dan tem uma filha que na época tinha seus 3 aninhos de idade seu nome Delia Ioana (Ioana era para Joana, uma homenagem a Joana Darc) e ele sofria por ter de ficar longe da menina.
Depois que a separação se concluiu, foi morar só em um imóvel da família, apesar da tristeza pessoal estava animado com as mudanças, no processo de mudança me lembro certa vez dele ter dito que havia encontrado a luminária perfeita para seu quarto porém era cara demais para o seu salário, a luminária custava em torno de $50 dolares, no dia seguinte fui a uma casa de cambio trocar dinheiro e enviar a ele em um envelope branco a quantia em dolar, alguém na época me disse que para enviar dinheiro e não ser desviado eu deveria envolvê-lo em papel carbono, e assim o fiz!
Pouco mais de uma semana depois ele tinha ua luminária no quarto e ficou feliz com a surpresa.
Tempos depois enviei também algumas coisas específicas do Brasil, aqueles tapetes trançados de feira, incenso de canela e uma ametista bruta.
Neste período de dificuldades contactei missionários locais e pedi a eles que fossem até o Dan lhe oferecer um auxilio e apoio moral neste momento difícil, eles foram, Dan ficou agradecido pela solidariedade e eu também agradeço ao casal Frietzen que se dispôs a ajudar meu amigo.
Mas a grande oportunidade surgiu quando certa vez um amigo da família mencionou uma viagem missionária a Romênia e que estaria aberta aos jovens de nossa comunidade religiosa que quisesse ir até lá ajudar o trabalho dos missionários, a viagem seguiria para Romênia, Moldávia e Ucrânia.
Na hora eu disse que gostaria muito de ir, seria o meu "kibutz" cristão, meu avô ficou felicíssimo e não exitou em me enviar. Foi um dos momentos de maior realização pessoal eu poder encontrar aquela pessoa que por tanto tempo (1 ano e meio) havia se correspondido comigo dividindo tristezas e alegrias de ambos, finalmente eu poderia fazer algo de fato.
Nos encontramos, foi ótimo, não haverá no mundo um amigo mais cuidadoso, carinhoso e compreenssivo que este meu querido Dan.
Passávamos dias inteiros conversando e andando por Bucaresti, Galati, Brasov. Dirigimos para a Transilvania, aqui na foto abaixo se vê o Castelul Bram ao fundo (que era é o nome do lugar e por isso o Drácula de Abraham "Bram" Stocker)
neste mesmo roteiro ainda fizemos um viagem de carro da Romênia para a Hungria vendo todos aqueles vales e campos verdes com seus girassóis, o tempo não existia e eu não podia acreditar que estava livre no mundo vendo a vida passar na minha frente sem ter onde chegar.
O possante verdinho que nos levava !
As placas sinalizavam Bélgica, Hungria, Austria e eu pensava: nossa a minha encruzilhada aqui é o velho mundo!neste mesmo roteiro ainda fizemos um viagem de carro da Romênia para a Hungria vendo todos aqueles vales e campos verdes com seus girassóis, o tempo não existia e eu não podia acreditar que estava livre no mundo vendo a vida passar na minha frente sem ter onde chegar.
O possante verdinho que nos levava !
Finalmente encontramos o nosso amigo Lamas (o húngaro) para um belo passeio em Budapeste.
Vista do Budavari para pest e o parlamento húngaro.
foi um dia memorável e nossa viagem de volta outro passeio pelo imenso tudo e nada....estar na estrada com a total escuridão e aquele tapete de estrelas sobre as nossas cabeças wow! era um outro céu, não havia cruzeiro do sul, haviam novas estrelas novos formatos no céu.
havia se escondido atrás de alguma construção podíamos ver sua luz saindo detrás de algum lugar e na hora eu disse: a Lua está no meu bolso!
Meu amigo disparou e disse: Anna Claudia a princesa tropical que tem a lua em seu bolso.
Até hoje ele me chama assim, acho o máximo!
e você deve estar pensando que por trás disto tem alguma coisa né?
tem sim, AMIZADE!
Dan hoje em dia é tão bem casado quanto eu, casou-se com uma moçaTurca , tivemos nossos momentos de questionar todo esse encontro, mas no fundo sabíamos que era amizade e decidimos manter assim.
Depois disso meu amigo já veio em minha casa no Brasil com sua esposa, passamos bons momentos, eu, meu marido, ele e sua esposa.
A vida hoje em dia nos priva um bocado de tanto capricho e cuidado, afinal tenho 3 filhos e ele agora um bebê de menos de um ano de idade e se vocês se lembram tem a Delia agora com 18 anos, sua vida tem se dividido entre sua casa e férias no mar mediterrâneo, mas sempre que temos um tempo nos comunicamos e dividimos um pouco do todo que vivemos.
No final de tudo quando paro pra pensar nesta amizade penso que é perfeita demais para existir numa vida real, por isso foi divinamente providenciado que morássemos tão longe, tornando assim tudo meio impossível, se com certeza não pela consideração e o amor mútuo, tonar-se impossivel pela distância e pela vida que não para pra você atravessá-la!
A viagem missionária foi um sucesso, além do Dan conhecí muitas outras pessoas em lugares que vocês talvez nunca imaginem visitar com um mix de miséria e cultura, fenômeno do socialismo, esse país chamado Moldavia que me ensinou tanto e me recebeu tão bem.
Lá tive de comer a comida daquele povo não tinha opção, tive de dormir na melhor cama que eles tinham para me oferecer e não foi das piores, tinhamos que ir até a ACM (YMCA) mais próxima para tomarmos banho, pois a cultura do frio os incutia um banho de bacia que se tornava impossivel para quem estava acostumado com chuveiro, as necessidades fisiológicas eram feitas em casinhas de madeira no mais conhecido estilo banheiro turco porém sem saneamento diretamente no curral dos porcos.
Algumas das moças que conhecí me presenteou com seu espelho não me lembro de seu nome pois o espelho que o tem assinado atrás hoje em dia está na casa da minha mãe, mas ela era de um lugar chamado colibasi.
Pessoas humildes sem muito para dar, que davam, sem muito para ter do que se envaidecer e ainda sim eram vaidosas.
As vezes quando me pergunto se sou comodista, se tenho manias, frescuras, eu me lembro daqueles dias e sei oque eles me ensinaram.
Não há melhor comida, melhor pousada, melhor amizade, melhor casa, melhor cama do que aquela oferecida com todo amor, carinho e posibilidade.
Eles não tinham muito, me ofereceram o seu melhor. Quem sou eu para querer mais?
Lembro de ter professado as minhas esperanças para aquele povo em praça pública, havia uma intérprete que passava tudo do meu inglês latino para o russo e lembro de como as pessoas ficavam gratas e vinham me cumprimentar ao final.
Aqui está Aliona minha intérprete de Russo
Era gratificante e não só gratificante era sublime poder fazer algo por aquelas pessoas.Aqui está Aliona minha intérprete de Russo
Uma das coisas mais tristes que fizemos foi visitar um orfanato, ainda tenho aqueles rostinhos nas fotos e fico me perguntando oque terá sido feito daquelas vidas.
No vôo para moldávia num Tupolev da Aeroflot lembro de ter conhecido um atleta local ele estava se preparando para as olimpiadas, no dia seguinte fomos visita-lo no endereço em que ele havia nos dado, um prédio todo caindo aos pedaços e a sua porta mais parecia uma porta de cofre bancário, a porta era tão grossa que ao batermos na porta ela não emitia som algum e campainha não tinha, até hoje não sabemos se não havia ninguem ou se ele não nos ouviu chamar.
A vida era assim, as ruas áridas, sem beleza exterior, sem comércio algum , nada belo ou turístico, a comida não era boa...os hotéis não eram agradáveis (ao menos tinham chuveiro e cuba sanitária), mas quando vc saia em um tour a cidade tinha história, como a Loba mãe de Rômulo e Remo, como a história de Stephan "O grande" herói da região, como a história dos ciganos que deram origem ao povo Romeno.
eu estava extasiada, pois o essencial é invisível aos olhos (Saint Exuperry).
A canção que segue é a expressão da minha empatia com meu amigo e aquele povo, enquanto dividirmos os mesmos ideais mesmo distantes eu estarei com vocês:
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